O Brasil viveu 21 anos sob o
regime autoritário militar num contínuo sobressalto. A nação estava como que
num estado de catalepsia fazendo vazar por todos os seus poros a dor, a
perseguição, a ação do uso da força, da tortura, da intolerância e a
inquietante depressão individual, comunitária, nacional e internacional. Os
aposseadores da República estendiam seus braços, olhos e ouvidos através de
mentecaptos auxiliares que tudo faziam para ‘agradar’ os chefes e se banquetearem
com as sobras do poder abusivo e inidôneo.
O povo brasileiro é conhecido na
linha da história como um povo pacato, submisso, concordante com tudo. Boi
conduzido. Na verdade não é bem assim. O brasileiro é lutador sim, mas suas
armas são frágeis, demoradas no uso e quando na prática sofre a falta de
líderes realmente capazes e honestos em suas intenções. A corrupção, endêmica,
cega o fio das espadas tornando-as enferrujadas e de difícil manejo. No
Primeiro Império os movimentos foram efêmeros embora ácidos, culminando com a
praticamente expulsão de Pedro I do comando nacional. No Segundo Império Pedro
II teve de se desdobrar para manter a integridade nacional, o que por si só já
valeu como um trabalho hercúleo.
A República chegou em 1889
totalmente claudicante, sem preparo real embora tenha existido inúmeros
movimentos buscando sua decretação. Decretada, nasceu com enormes crises entre
os militares que requisitavam o poder maior- a Presidência e não mais a coroa
nem o cetro,mas sim a caneta. Assim nasceu
a República e assim ela está atualmente.
Canudos (1897) e Contestado
(1912) já fizeram o braço da República endurecer. Em 1930 a queda de braços entre
os próximos do poder mostraram os dentes e as armas. A Aliança Liberal leva
Getúlio ao poder diante do poder corrupto dos grandes fazendeiros mediante subornos
e fraudes. Com uma pseudo-união o novo governo é uma mistura da velha
oligarquia rural com os setores industriais emergentes. O comunismo cresce e
rói as botas e o chicote do caudilho. É parido o Estado Novo em 1937. A República está com
sérias doenças degenerativas.
O mundo se volta para o Brasil (e
América do Sul). A guerra mundial força a pactos vergonhosos com forças
internacionais. Getúlio enfraquece e o poder se esfacela chegando a uma séria
ruptura em outubro de 1945. Mais uma vez a República tem um sério acidente
vascular do poder. Saindo da UTI em 1946 se arrasta até 1954 e depois de nova e
profunda crise até 1964 mesclando autoritarismo com relações espúrias com os
interesses norte-americanos, greves gerais, revoltas populares e presidentes
sem força nem liderança política.
De novo o poder é confiscado por
forças ditas salvadoras. Curiosamente em 01 de abril de 1964 a República é internada
em estado grave. Como um doente nestas condições, ficou sob a ‘custódia’ dos
médicos de plantão- um grupo de militares que, a exemplo de outros momentos,
arvoraram-se como ‘salvadores da pátria adoecida ’. O povo na rua pensava estar
indo para um caminho seguro quando na verdade estava rascunhando um longo
período de dores e sofrimentos que iria custar a vida, a liberdade e os
direitos de milhares de brasileiros.
O Ato Institucional nº 9 rezou de
forma solene: “A Revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima
por si mesma”. Em 1965, pelo Ato Institucional nº 2, na sua introdução, se
afirma: “ Não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará”. E assim
ela continuou até 1985. No último instante e na agonia do regime militar, morre
o presidente eleito e assume o vice. O trauma não se concluiu sem antes dar um
novo susto no povo brasileiro. “A República, com novos homens e novos
compromissos, inaugura um novo tempo para a pátria renovada na dignidade da
democracia e no respeito à soberania popular” ( Tancredo Neves).
Estamos esperando.
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