O Brasil nasceu sob a força da bruxaria européia, forte e infiltrante em todos os segmentos e meios sociais. A luta entre o céu, o inferno, o bem e o mal são velhos conhecidos do homem enquanto ser pensante, temeroso do futuro, fugidio do passado e crente até certo ponto no presente. Digo até certo ponto porque em geral, todos os homens e mulheres acreditam, crêem, praticam ou fingem crer e praticar todos os tipos de ritos e religiões, conforme a idade, a necessidade e o medo da velhice e da morte.
Para se pregar o bem tem de se esconjurar o mal. Um pastor, de qualquer credo, não consegue falar do bem sem se referir ou comparar o que diz com o mal. É o positivo e o negativo, é o forte e o fraco, é o vencido e o vencedor. Ao pregar o bem, não se pode agir sem se reconhecer a existência do demônio, de suas formas e meios de ação. Interessante como o homem enquadrou a mulher na personificação do mal, da perdição, do perigo, da falsidade, talhando-a na história como o suprasumo da maldade e da traição. Vide Gêneses. A mulher foi introdutora do pecado no mundo perfeito (?) do Criador. Foi parceira consciente do diabo. Se o diabo tivesse sido realmente vencido pelo bem, como presumem muitos, não haveria necessidade da existência da igreja.
A Europa e parte do mundo em crise, pestes, cismas, a derrocada do tradicional eram coisas causadas por Satã e seu exercito de anjos caídos, onde um grande número de feiticeiros, adivinhos, videntes, previsores do futuro apocalíptico, o fim certo do mundo, a danação eterna e outros ‘castigos’ fizeram nascer, em especial a partir do século XIV, a necessidade de livrar o mundo e os homens do pecado e nada mais concreto do que fazer das mulheres este meio de ‘lavar’ os pecados do mundo contra a bruxaria, até então vista como uma qualidade e não como uma forma amaldiçoada de existência, só sanada pelo poder do fogo.
A Igreja romana e depois as ramificações evangélicas, apesar dos esforços em contrário, só fizeram robustecer o pensamento da existência concreta do diabo, fazendo nascer um rígido código ético e moral na busca da justificação da presença concreta e inescapável da figura do demônio na vida humana e em todo o planeta. Os tempos ditos modernos foram moldadores do diabo e o que se viu, no rolar da história, foi o aumento delirante de cultos ao demônio ou a Satã, sendo que na época das reformas calvinianas e luteranas, a bruxaria sofreu espetacular combate, com a ajuda da inquisição, queimando milhares de mulheres e raros homens na fogueira da limpeza e da purificação, conforme acreditavam.
Satanás reinava com autoridade entre os pagãos. Com base nesta premissa, os padres vindos para o Brasil buscavam converter os índios, pagãos a seu ver, à fé cristã. Os pajés eram feiticeiros, agentes do mal. Anchieta chamava curupira de demônio. Denúncias chegavam à central da Inquisição no século XVII indicando ser a Bahia uma central de negros e negras feiticeiros. Minas estava infectada de demônios, afirmavam membros da igreja. No período colonial brasileiro pessoas eram denominadas de calunduzeiros, feiticeiros e curandeiras pela igreja e perseguidos inclusive até à morte, comemorada com alegria como se uma vitória do bem sobre o mal.
Apesar de tudo, muitos feiticeiros se fixavam em propriedades das ordens religiosas dissidentes de tais pensamentos e ações, apesar de padres usarem tais pessoas como meio de descobrir escravos fugidos ou porque curavam infestações diversas do gado como ‘bicheiras’ e outras doenças. Gado era forma de fortuna e imensos rebanhos faziam parte do patrimônio da igreja e de padres. Era, e ainda é interessante, como os interesses modificam ações religiosas no transcurso do tempo. Os ‘dons’ são usados e santificados quando beneficiam poderosos e renegados ou excomungados, quando inúteis para o poder.
O homem é exímio bajulador de ambas as forças que denomina bem e mal. Cria religiões calcadas em ambos os pilares do medo humano. Só pelo medo do futuro é que o bem e o mal existem. A bruxaria está em alta no planeta todo, nunca deixando de ser um ponto de interessante ação humana. Modernamente continuam a existir bruxos e bruxas com destaques, inclusive, na mídia em geral. Não usam vassouras verdadeiras, mas sim vassouras virtuais como computadores e sofisticados programas matemáticos de adivinhações. A Vicca, ou religião dos bruxos, baseada no culto de uma deusa e de um deus que descendiam de rituais de diversas tribos desde os primórdios dos tempos, está em alta. Gerald Brosseau Gardner, é um dos modernos bruxos com auge nos anos 50. O livro das sombras, é uma espécie de manual prático viccano.
Os símbolos da bruxaria grassam por todo o planeta. São vassouras( inicialmente usadas pelos celtas em cerimônias agrícolas para atrair boas colheitas), chapéus cônicos (atraidores e geradores de energia), caldeirões, onde são preparadas poções mágicas para todos os fins, lembrando que as farmácias de manipulação se assemelham em tudo a este símbolo. A feitiçaria nada mais é do que a arte de mover energias para alcançar determinado objetivo e está presente em praticamente todos os ritos do mundo religioso. Uma vela ao ser usada por um cristão faz do rogador da graça um feiticeiro( e não um bruxo) em busca de um resultado requisitado de seu santo. A alquimia da transubstanciação cristã é uma forma de poção mágica de transformação.
No Brasil escritores como Machado de Assis usaram o caldeirão. Este para queimar manuscritos em frente de sua casa, dando-lhe o apelido de “O bruxo do Cosme velho’, popularizado depois por Carlos Drummond de Andrade. Monteiro Lobato cria ‘Cuca’ que trabalha com borbulhante caldeirão mágico. Mario Quintana destacava os poderes excepcionais das bruxas em seus trabalhos. É mais comum a presença de mulheres nas práticas da bruxaria, e isto no transcorrer de muitos séculos, e isto com certeza graças à vulnerabilidade explícita da mulher e na declaração milenar de sua condição de segunda pessoa da criação. O próprio homem se valeu da mulher para encobrir suas dificuldades e ansiedades frente às coisas do mundo. É comum,ainda, se ler e ouvir: atrás de um homem bem sucedido sempre existe uma mulher, e o maldoso completa: antes de sua esposa.
Os inquisitores do século XV acreditavam piamente na existência até material do demônio. Os do século XVIII já pensavam totalmente diferente. Hoje os bruxos e bruxas são centros de consulta de altas empresas e de simples cidadãos da periferia.
E assim vai o homem caminhando sobre o planeta Terra, ora olhando sua história com orgulho, ora com tristeza, mas, jamais deixando de dar seus passos, seja com certeza seja com sofreguidão. À medida que ele avança no tempo e no espaço, percebe, dia a dia, que seu futuro é incerto, mas, por certo será o de triunfo depois de muitas lutas e tempestades. Este o mote da vida humana neste planeta cheio de segredos e apreensões.
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