A questão da lembrança dos mortos, hoje definidas como “Dia de Finados” remonta aos primórdios da própria humanidade, com o nascimento da ‘Razão’, da memória histórica, do medo e do respeito aos que deixam de viver e se tornam seres do imaginário filosófico e teosófico.
Um dos mais brilhantes livros que encontrei em minhas leituras, e relativos ao homem como ser pensante, inteligente, intuitivo e com memória histórica, é Cidade Antiga, publicado em 1864, de Fustel de Coulanges, genial escritor francês, nascido em 1830 e falecido em 1889.
Desde os tempos perdidos na própria linha dos anos, a morte causa estupefação, medo e surpresa ao homem. O falecido sempre ocupou lugar material entre os seus conterrâneos e a lembrança, a memória do mesmo deve ser mantida. Perdida a memória o ente morre definitivamente. No capítulo II de Cidade Antiga, há espaço especial com relação ao culto aos mortos. A crença pós-vida deu lugar a fortes regras de conduta. Os mortos eram considerados criaturas sagradas. Tornavam-se divindades e tinham nas próprias casas onde viveram altares em sua homenagem e cultos rígidos praticados pelo homem mais velho do clã. A mulher era banida deste culto. Cícero dizia que ‘os mortos são homens que deixaram de viver; reverenciai-vos como criaturas divinas’.
Passeando pela História vemos o culto aos mortos entre os helenos, entre os latinos, os sabinos, os gregos, os romanos, os etruscos, entre os árias da Índia, presente nos hinos do Rig-veda e inclusive no livros das Leis de Manu, tido como um dos cultos humanos mais antigos da humanidade. A metempsicose – transmigração da alma de um corpo para outro, seja este do mesmo tipo de ser vivo ou não - esta presente em várias religiões e cultos espalhados pelo planeta. Banquetes fúnebres ainda são presentes na Índia e outros países, inclusive Japão e China. Zeus era um deus que gostava de oferendas e bajulação, assim como outros. A morte elevou, como diz Coulanges, o pensamento do homem do visível para o invisível, do passageiro para o eterno, do humano para o divino.
Nos tempos mais recentes, desde o século II os primeiros cristãos já oravam em favor de seus mártires, e nalguns lugares, em seus túmulos, estavam presentes com oferendas visando elevá-los à categoria de espíritos protetores, deuses e ‘amigos’. Já desde o século XI papas obrigavam a comunidade cristã a dedicar um dia do ano a seus mortos e No século XIII o dia 2 de novembro foi instituído como ‘dia dos mortos’. A História nos diz que foram os Druídas que tiveram esta iniciativa acreditando e pregando a continuidade da vida após a morte, o que se seguiu com León Denis, com a doutrina espírita. Após a Reforma Protestante o assunto foi bastante confuso, mas se efetivou entre os protestantes históricos da Europa e após 1980 foi instituída como ‘comemoração dos fiéis defuntos’. Na Prússia, Luteranos comemoram o ‘domingo dos mortos’, celebrado no ultimo domingo antes do Advento. A Igreja Metodista se vale do dia de todos os santos para comemorar o ‘dia de todos os santos, envolvendo os fiéis batizados.
Para os espíritas, o dia, com a visita ao túmulo, é uma exteriorização da lembrança que se tem para com o ente querido. Uma forma de demonstrar a saudade, o respeito e o carinho daquele que se foi. Em muitos cemitérios se ostenta a frase latina: “Revertere ad locum tuum”, indicando que voltarás ao teu lugar....
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