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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A PROPRIEDADE E O HOMEM



Fala-se hoje, e muito, em propriedade, patrimônio, domínio sobre o que é imóvel por natureza como terrenos, prédios de todos os tipos, propriedade intelectual, direitos autorais e a coisa se perde numa extensa linha de definições. A constituição Federal ( art. 156,I) define a propriedade como predial e territorial urbana para fins de tributos. O dicionário diz que propriedade é qualidade de próprio gerando o direito de usar, gozar, dispor (um bem). Proprietário é quem tem a propriedade de algo. E daí? 

Fustel de Coulanges, em seu livro ‘Cidade Antiga”, um primor que deve ser lido por todos,em seu capítulo VI, discorre sobre a propriedade. A terra(o solo,o chão) sempre foi considerada sagrada, sem dono por seu um bem comunitário que a todos serve. Era um bem divino e indisponível como seu próprio fosse. O homem antigo era proprietário da colheita,jamais do solo,da terra. O solo na história antiga humana era o fundamento do lar, o local sagrado do sepultamento.Não se podia pisar no solo onde alguém havia sido sepultado. Até hoje, sem saber porquê, ninguém ousa pisar sobre um túmulo sem se condenar ou se censurar. Era inviolável e sagrado. 

Os antigos viam na propriedade a razão de sua própria existência. Era afeta à religião e tão sagrada como esta. A religião tinha como base a própria casa do homem, sua morada, a morada de sua família na linha do tempo. Nela tinha o altar que era cuidado com zelo e carinho e ali eram venerados todos os antepassados. Esta era a propriedade, Os gregos chamavam a propriedade de érikos e os latinos herctum. Nela, não importava o tamanho ou extensão, criavam seus rebanhos, plantavam seus alimentos, retiravam o sustento, criavam os filhos, honravam os mortos e veneravam a vida futura. Era intocável. Nenhum estranho poderia ali entrar sem a ordem da família, do chefe, do senhor. A casa era o recinto sagrado. Daí nasceu o direito inviolável do lar e que perdura até hoje. A religião que nasceu com poder sobre as almas também instituiu o caráter sagrado da propriedade. 

Platão, em seu ‘Tratado das Leis’, entendia que a ninguém cabia o direito de vender sua propriedade, sua terra. Ela não tinha dono e não podia ser alienada. Era natural, eterna, intransferível. O tempo escorreu pela plataforma dos anos e na Lei das Doze Tábuas a propriedade já podia ser vendida permanecendo vedada, apenas, a venda do terreno onde estavam sepultados os mortos da família. O confisco era execrado. Modernizou-se o sistema, como soe acontecer nas coisas humanas. A terra não podia ser vendida, mas, passou a ser transferida sua posse, seu domínio. Estava aberta a temporada da exploração da terra pelo sistema que mudou o mundo: o dinheiro. 

O herdeiro do fogo sagrado familiar herdava os bens. Nasceu, ai, o princípio da hereditariedade (heres necessarius) e por decorrência o princípio da sucessão. O homem passa, a propriedade não, dizia a lei. Não cabe ao herdeiro recusar a herança. Ela é natural e obrigatória. Nasce o domicílio. Os bens são partilhados entre os filhos como dever e obrigação de preservá-los para posteridade e os descendentes, honrando os antepassados. 

A propriedade era como o sangue passando de varão para varão. A mulher era exceção na sucessão. Só o filho varão podia dar continuidade ao culto da religião e da propriedade, uma coisa só. Não tendo filho varão a herança era transmitida ao irmão do falecido e na falta dele ao filho do irmão e assim por diante. O direito de testar (testamento) era desconhecido e impossível. Era um sacrilégio. O primogênito era o novo sucessor e em tudo, inclusive na autoridade familiar. 

Vai-se o tempo por sua ininterrupta aceleração e a propriedade, hoje, é uma mercadoria, em todos os sentidos, inclusive de forma pejorativa e perigosa. Mercadeja-se terras sob todas as formas. Grilou-se e grila-se terras sob as mais variadas formas. Famílias inteiras foram dizimadas pela posse das terras de seus antepassados. Loteia-se terras numa ânsia de riqueza indesculpável e inaceitável. Vendem-se terrenos com alguns metros quadrados e ali se faz alojar, em cubículos, uma família. Vendem-se túmulos, terrenos em cemitérios e até aluga-se tumbas. A exploração imobiliária virou coisa rentável. Os terrenos, antes sagrados, converteram-se em moeda, muitas vezes podre e corruptora. A religião virou mercadoria de alta rentabilidade. A lei de talião está mais forte do que rocha. 

Se Coulanges fosse escrever hoje seu livro sobre a propriedade estaria fadado a um enfarte fulminante. Nada mais sobrou, quanto à propriedade, da beleza dos tempos que se perdem na linha da vida humana, nem sua filosofia, nem sua arte e muito menos sua essência. 

Fruto dos tempos. Ah!, que tempos....

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