Caro visitante:

Seja bem vindo e divirta-se! Em nosso maluco mundo atual, o que não falta é assunto para comentar...ah, e não deixe de cadastrar seu e-mail aqui ao lado esquerdo da tela para receber novidades deste blog.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

JOÃO DE MELO MACEDO, O JOÃO D’OESTE.

“Ex nihilo nihil fit “(nada vem do nada)

João de Melo Macedo


Há pessoas que nascem e morrem.  Outras nascem, vivem e morrem. Outras ainda nascem, vivem, se tornam heróis e nunca morrem.  Herói é um ser extraordinário por seus feitos guerreiros, valor ou magnanimidade. O protagonista de uma obra literária, diz o dicionário. Álvaro Granha Toregian afirmou que ‘os homens, para se tornarem imortais, precisam inexoravelmente ‘morrer’. Oscar Wilde escreveu que ‘viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”.
Em seus livros o nome de João de Melo Macedo é grafado como “Melo”. Alguns textos o nome aparece como “ Mello”. Opto pela grafia usada em seus livros.

Em 8 de fevereiro de 1905, nas terras mineiras e em Santa Rita de Cássia, nasceu um menino filho de Venefredo e dona Ana Cândido, morta no parto. Menino esperto, criado pelos tios, aos doze anos de idade escreveu seu primeiro trabalho que ele chamou de folheto – um livro de poesias - com o título de “Primeiras Poesias” publicado em 1917 de forma artesanal. Nosso menino fez a primeira fase educacional em Muzambinho e já era visto como promessa promissora no meio intelectual com apenas dezesseis anos. Na Semana da Arte Moderna de 22, em São Paulo, recebeu honra ao mérito pela participação. Em pouso Alegre se destacou em movimento literário e seu poema “Oração” lavrou classificação como um dos melhores trabalhos. Tornou-se amigo de poetas como Noraldino Vieira, Pedro Saturnino, Antônio Cândido, Odilon Azevedo, Carlos Drummond de Andrade, Mario Guimarães Rosa e outros, e com isto alçou-se à esfera dos ‘astros da poesia’ da época, lapidando, dia a dia, seu estilo e desenvolvendo sua capacidade com o manuseio das palavras em belíssimos sonetos e trabalhos literários fulgurantes.

Em Belo Horizonte chega ao quarto ano de medicina, mas desiste e diploma-se em farmácia e com o diploma na mão, sua alma de aventureiro e pesquisador nato do folclore e da literatura regional, foi atraído pelas lendas e riquezas da região noroeste do Estado de São Paulo e pousa, para nossa alegria, na região do alto do “Jatahy” num lugarejo chamado Tanaby que lutava para se tornar de vila em município, pertencente ao distrito de São José do Rio Preto. Em Tanabi tomou posse de vesga de terra pertencente à sua família e se instalou no meio que sempre sonhou: a natureza bruta, ouvindo o canto dos pássaros e apreciando as intermináveis chuvas como que orquestra para seus ouvidos; seus olhos inquietos sempre à procurado do belo, sua mente aguçada para o natural, o espontâneo e a natureza em festa forjando, como Odin, deus nórdico da sabedoria, o fazia com sua espada, o poeta que nascia com todo seu esplendor sob a ação da bigorna do tempo. Tinha razão Ernest Hemingway quando disse: O segredo da sabedoria, do poder e do conhecimento é a humildade. E isto isso Macedo tinha em abundância.  

Instala-se na vila Tanaby com sua botica e depois a transforma em ‘Pharmacia Tanaby’, um verdadeiro consultório médico onde ele mesmo manipulava remédios que em sua grande maioria era oferecido gratuitamente e por isto recebeu a alcunha feliz de ‘ médico dos pobres. De porte atlético, bem constituído fisicamente, começou a se mostrar como um belo pretendente às moças da cidade e região. Seus poemas e sonetos a elas encantava e ele, muito polidamente, oferecia a cada uma foto sua com bela e específica dedicatória. Na linha de Mario Guimarães Rosa, de quem era amigo, se torna num sertanista e era visto pelas ruas em suas horas de lazer com bombacha branca, botas altas e bem engraxadas, lenço vermelho ao pescoço e enorme chapéu branco, levando à mão um bem trançado rebenque de couro artisticamente trabalhado que brandia durante sua calma caminhada. Sua mente fervilhava e entre o corre-corre da vida e seus momentos de introspecção fizeram nascer em 1935 seu livro “Arribada” que se mostrou como o cordão umbilical dele com as coisas da terra, da labuta do homem do campo, do mugir do gado nos pastos, do barulho das chuvas com seu maestro ribombando a batuta dos trovões. Carlos Drummond de Andrade disse que “ há livros escritos para evitar espaços vazios na estante’, mas Arribada não, este veio para se destacar na estante e ficar no coração de cada leitor dada à forma apaixonante de suas composições retratando a força do homem na terra e em sua lida. O livro era para se chamar ‘Província’, mas acabou se tornando ‘Arribada’, editado pela Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, de São Paulo.

Arribada:
Lá vem eles, lá vem,
trôpegos, marchando,
ao beijo emoliente da soalheira.
A comitiva reduzida,
não os anima o algazarreio das chamadas,
nem o toque dos berrantes,
nem os embala
a barbara melopéia dos aboios.
Caminham vagarosamente,
bois vadios, que se tresmalharam,
rêses que as doenças retardaram
para essa marcha lúgubre e cansada....
Para essa marcha sem poesia,
No desconsolo e no silêncio da arribada....

Como num vulcão em erupção, em abril de 1946 lança “Versos de Outro Tempo”. Macedo costumava oferecer exemplares a amigos especiais porque entendia ser o livro ‘ um pouco avançado’ e não para todos. Não buscava fazer deles comércio. Destaco aqui o que ele pensava do poeta:

A um poeta
Ai! Porque elevas, no tumulto, o canto
e revelas, na praça, a tua dor?
O mundo, sabes? Ri do nosso pranto!
Esconde a angústia do traído amor.
Lágrimas, verte-as, pois, na solidão,
Porque a amizade, aqui, engana e ilude,
e é um nome proibido esse de irmão.
E uma louca ridícula – a virtude.
A teu martírio, cúpido e ferrenho,
esse povo, a quem falas, correrá;
Todos ver-te-ão curvar sob o teu lenho
- Ninguém de ti se compadecerá....
Oh! Mente, mente! O teu rosto jucundo
mascare íntima dor sempre a sorrir;
A verdade não é para este mundo,
ai daquele que não souber mentir”.
(p. 19 )

Interessante é a ponderação que Mario Quintana faz sobre o poeta. Ele diz: A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta sabe que é louco...Porque a poesia é uma loucura lúcida”.
Edgard Allan Poe nos diz: “aqueles que sonham acordados tem consciência de mil coisas que escapam aos que apenas sonham adormecidos”. O poeta não é isso?
O livro foi publicado pela Empresa Gráfica da “ Revista dos Tribunais”. São Paulo, em abril de 1946.
O homem urbano com os pés fincados na terra que lavra, que cultiva, que faz produzir e que na botica reverencia aos químicos do passado na busca da cura das dores de quem o procura, e aquele que atrás de uma mesa e de caneta à mão, fez nascer em 1961 o “Cântico do Pioneiro”, com versos ilustrados por Aldemir Martins, transformando palavras em imagens maravilhosas e realísticas do pioneiro de nossas terras – o homem do campo.

Seus livros “Arribada e Versos de Outro Tempo”, provocaram intensa reação de literatos, jornalistas e admiradores em todo o país. De João Guimarães Rosa, recebeu  carta com o seguinte trecho:” De volta de uma viagem ao interior de Minas – à paisagem grande e campineira – pude ler os belos poemas do seu ‘Arribada’, também um viajar, pela poesia, pelas estradas do sertão, com o vagaroso gado, na ruana de marcha braceira, assistindo à hora azul das queimadas, ouvindo o canto do carro de bois ou a buzina do peão...Como poderia deixar de gostar dele? Nessas páginas, eu poderia “cortar o chão o dia inteiro”. Sua poesia é real e eficaz”. Ariovaldo Corrêa – in “Homens e coisas de Mirassol”, escreveu: Há em seus versos uma arte, uma suavidade singular em reproduzir aspectos da natureza, cenas fidelíssimas da vida campeira, ora oferecendo-nos o retrato do camponês, cantarolante, arando a terra e antessonhando o milagre das colheitas, ora trazendo-nos de leve, aos ouvidos, o gostoso rumor da água da grota”. Foram muitos os que se manifestaram sobre o livro, entre eles Sebastião Almeida Oliveira, Orlando Romero, Judas Isgorogota (A Gazeta), Eloy Pontes (O Globo), Nelson Werneck Sodré (Correio Paulistano) e outros. 

Voava cada vez mais alto o ‘canário da terra’, o bandeirante Macedo e, demonstrando sua intensa devoção à Santa Rita de Cássia, padroeira de sua terra natal, escreve, em  dois opúsculos, exaltação à Mãe de Jesus – Tríptico de Santa Rita de Cássia – 1960-  demonstrando o lado humano e religioso de seu coração e mente de poeta. Encanta ao mundo religioso por sua forma e estilo, sem exageros e indo profundamente em seu lado e formação cristã. Baden Powel disse: “Fazer a felicidade dos outros é a melhor maneira de ser feliz”

Não mais conseguindo se livrar de Cupido, Macedo se enamora de Rackel Gauch que por décadas buscou vencer o eterno galanteador e casa-se na Igreja de Aparecida do Norte. Ela era professora de francês e seu aluno Macedo se tornou num expert em leitura e fala na língua francesa. Macedo, nosso Joao D’Oeste, era poliglota dominando o italiano, o espanhol, o árabe, o francês, o grego e o latim. Era jornalista e se correspondia com renomados autores brasileiros e jornais de todo o país. Era um homem atualizado e integrado a seu tempo participando do mundo em que vivia. Falecida a esposa Rackel, casou-se em sua prima, dona Maria Macedo Nubile em 12 de outubro de 1967. Dos casamentos não houve filhos, mas Macedo adotou filho, que morreu de forma precoce, auxiliando outras crianças e ajudando-as na linha da vida.

Sobre ele, o Joao D’Oeste, escrevi:

MESTRE MACEDO.

Braços para trás, caminha
absorto em pensamentos mil,
olhar distante como a avezinha
no céu infinito cor azul anil.
Levanta cedo, saúda a manhã,
visita a cidade, seu povo e ruas,
sempre pensando e com mente sã
lá está o Mestre  em andanças suas.
Filosofa, faz da vida poesia,
canta o amor, domina idiomas,
médico dos pobres, o povo diz,
dá  ao viver refinado aroma.
Intelecto profundamente enriquecido,
personalidade forte, nobre e marcante,
em nosso meio é o bom Macedo querido,
filantropo, humano, de valor relevante.
(Letras em Gotas – p. 41)

Em todo meu aniversário recebia cartão com pequeno verso grafado e com sua conhecida assinatura. Guardo-os com muito carinho.

Macedo viveu e construiu à sua volta um verdadeiro universo de conquistas para a comunidade tanabiense e regional. Não só plantou árvores, escreveu versos, livros, artigos. Ele fundou o Aeroclube, conseguindo a doação de dois aviões para o clube que ministrava aulas de aviação formando pilotos,  o Tênis clube; foi delegado Regional de Cultura da Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo; um dos criadores do Tiro de Guerra, da Associação Rural, do Clube dos Tangarás, do Tanabi Cestobol Clube, membro-fundador do Lions Clube de Tanabi, mantenedor de várias instituições caritativas, trabalhou na criação do Brasão de Armas de Tanabi em consonância com Antônio do Nascimento Portela, artista plástico de São José do Rio Preto;  autor da letra do Hino do Município de Tanabi, um dos criadores e mantenedor da antiga Escola Técnica de Comércio Visconde de Mauá, hoje Fundação Educacional que leva o seu nome. Não retinha seu conhecimento só para si. Era palestrante e conferencista e representou a região na Festa da Uva do Rio Grande do Sul (1954) onde, entre outros, saudou o Presidente da República, Getúlio Vargas, que visitava aquele empreendimento. Causou espanto sua eloquência e oratória, fazendo seu discurso em quatro idiomas simultaneamente e dando uma ‘aula’ sobre vinicultura. Chegou a ser sondado para ser Ministro da Cultura. Sócrates afirmou: “As almas de todos os homens são imortais, mas a alma dos homens justos são imortais e divinas”.

João D’Oeste não ficou só nisso. Foi prefeito nomeado de Tanabi de 28 de dezembro de 1943 a 01 de março de 1945. Capitaneou o processo de elevação do Município de Tanabi a comarca, instalada em 13 de junho de 1945. Sabendo que um homem deve plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho, como não conseguiu esta última ‘exigência natural’, fundou a cidade de Macedônia no dia 07 de maio de 1945 em terras de sua propriedade que loteou e doou a pessoas e instituições. Ajudou a abrir as picadas, atuou na derrubada da mata e colheu os primeiros balaios de café em sua antiga propriedade, a Fazenda Santa Maria das Anhumas. Recebeu em vida várias homenagens como a Medalha Santos Dumont do Ministério da Aeronáutica, títulos de cidadão em Cunha e Cássia, nomes de escolas (Diadema-SP) e com seu violão cantava músicas da velha guarda em saraus culturais que fazia organizar. Professor de português e Latim, traduziu a obra “Divina Comédia” para o grego, escreveu e adaptou várias peças de teatro além de traduzir do inglês para português a obra ‘Oficial da Guarda”, do repertório da CIA, escrevendo inúmeros monólogos, como por exemplo “as Carmelitas”.  Fez jus ao que disse Jack London : ‘ A verdadeira função do homem é viver, não apenas existir’.
Como soe acontecer com todos, a chama de sua vida se extinguiu no dia 18 de outubro de 1981 aos setenta e seis anos. Olavo Bilac disse: “envelhecemos rindo! Envelhecemos como as árvores envelhecem.” Com ele não foi diferente e deixou frutos a mancheias.  Steve Jobs disse: “ cada sonho que você deixar para trás, é um pedaço de seu futuro que deixa de existir”. Ele viveu todos os seus sonhos e transformou em realidade muitos e nossos sonhos. Seu nome foi perpetuado, também, na praça central da cidade “ Praça Joao de Mello Macedo”, declarada recentemente por trabalho encetado pelo jornal Diário da Região como uma das sete maravilhas da região. Seu corpo está sepultado no Cemitério Central da cidade.

Cora Coralina afirmou que: ”poeta, não é somente o que escreve. É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima, à autenticidade de um verso”. Ele foi assim.

Era João de Melo Macedo um homem que vivia e observava tudo à sua volta. Numa de nossas memoráveis reuniões quando da elaboração da letra do Hino de Tanabi, ele, parado e de olhos fixos nas lâmpadas fluorescentes da sala, foi por mim chamado à realidade, e ele, com sua voz anasalada e firme, sem tirar os olhos das lâmpadas, me perguntou: ....Caprio, pingo é letra? Eu prontamente respondi que sim. E ele, depois de uma bela gargalhada, e observando os pontinhos (coco) deixados lá pelas moscas, completou...  então a mosca é escritora.....


Este era “ João de Melo Macedo, nosso João D’Oeste. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário