João de Melo Macedo |
Há pessoas que nascem e
morrem. Outras nascem, vivem e morrem.
Outras ainda nascem, vivem, se tornam heróis e nunca morrem. Herói é um ser extraordinário por seus feitos
guerreiros, valor ou magnanimidade. O protagonista de uma obra literária, diz o
dicionário. Álvaro Granha Toregian afirmou que ‘os homens, para se tornarem imortais, precisam inexoravelmente
‘morrer’. Oscar Wilde escreveu que
‘viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”.
Em seus livros o nome de
João de Melo Macedo é grafado como “Melo”. Alguns textos o nome aparece como “
Mello”. Opto pela grafia usada em seus livros.
Em 8 de fevereiro de
1905, nas terras mineiras e em Santa Rita de Cássia, nasceu um menino filho de
Venefredo e dona Ana Cândido, morta no parto. Menino esperto, criado pelos
tios, aos doze anos de idade escreveu seu primeiro trabalho que ele chamou de
folheto – um livro de poesias - com o título de “Primeiras Poesias” publicado em 1917 de forma artesanal. Nosso
menino fez a primeira fase educacional em Muzambinho e já era visto como
promessa promissora no meio intelectual com apenas dezesseis anos. Na Semana da
Arte Moderna de 22, em São Paulo, recebeu honra ao mérito pela participação. Em
pouso Alegre se destacou em movimento literário e seu poema “Oração” lavrou
classificação como um dos melhores trabalhos. Tornou-se amigo de poetas como
Noraldino Vieira, Pedro Saturnino, Antônio Cândido, Odilon Azevedo, Carlos
Drummond de Andrade, Mario Guimarães Rosa e outros, e com isto alçou-se à
esfera dos ‘astros da poesia’ da época, lapidando, dia a dia, seu estilo e
desenvolvendo sua capacidade com o manuseio das palavras em belíssimos sonetos
e trabalhos literários fulgurantes.
Em Belo Horizonte chega
ao quarto ano de medicina, mas desiste e diploma-se em farmácia e com o diploma
na mão, sua alma de aventureiro e pesquisador nato do folclore e da literatura
regional, foi atraído pelas lendas e riquezas da região noroeste do Estado de
São Paulo e pousa, para nossa alegria, na região do alto do “Jatahy” num lugarejo
chamado Tanaby que lutava para se tornar de vila em município, pertencente ao
distrito de São José do Rio Preto. Em Tanabi tomou posse de vesga de terra
pertencente à sua família e se instalou no meio que sempre sonhou: a natureza
bruta, ouvindo o canto dos pássaros e apreciando as intermináveis chuvas como que
orquestra para seus ouvidos; seus olhos inquietos sempre à procurado do belo,
sua mente aguçada para o natural, o espontâneo e a natureza em festa forjando,
como Odin, deus nórdico da sabedoria, o fazia com sua espada, o poeta que
nascia com todo seu esplendor sob a ação da bigorna do tempo. Tinha razão
Ernest Hemingway quando disse: O segredo
da sabedoria, do poder e do conhecimento é a humildade. E isto isso Macedo
tinha em abundância.
Instala-se na vila Tanaby
com sua botica e depois a transforma em ‘Pharmacia Tanaby’, um verdadeiro
consultório médico onde ele mesmo manipulava remédios que em sua grande maioria
era oferecido gratuitamente e por isto recebeu a alcunha feliz de ‘ médico dos
pobres. De porte atlético, bem constituído fisicamente, começou a se mostrar
como um belo pretendente às moças da cidade e região. Seus poemas e sonetos a
elas encantava e ele, muito polidamente, oferecia a cada uma foto sua com bela
e específica dedicatória. Na linha de Mario Guimarães Rosa, de quem era amigo,
se torna num sertanista e era visto pelas ruas em suas horas de lazer com
bombacha branca, botas altas e bem engraxadas, lenço vermelho ao pescoço e
enorme chapéu branco, levando à mão um bem trançado rebenque de couro
artisticamente trabalhado que brandia durante sua calma caminhada. Sua mente
fervilhava e entre o corre-corre da vida e seus momentos de introspecção
fizeram nascer em 1935 seu livro “Arribada”
que se mostrou como o cordão umbilical dele com as coisas da terra, da labuta
do homem do campo, do mugir do gado nos pastos, do barulho das chuvas com seu
maestro ribombando a batuta dos trovões. Carlos Drummond de Andrade disse que “ há livros escritos para evitar espaços
vazios na estante’, mas Arribada não, este veio para se destacar na estante
e ficar no coração de cada leitor dada à forma apaixonante de suas composições
retratando a força do homem na terra e em sua lida. O livro era para se chamar
‘Província’, mas acabou se tornando ‘Arribada’, editado pela Empresa Gráfica da
Revista dos Tribunais, de São Paulo.
Arribada:
Lá
vem eles, lá vem,
trôpegos,
marchando,
ao
beijo emoliente da soalheira.
A
comitiva reduzida,
não
os anima o algazarreio das chamadas,
nem
o toque dos berrantes,
nem
os embala
a
barbara melopéia dos aboios.
Caminham
vagarosamente,
bois
vadios, que se tresmalharam,
rêses
que as doenças retardaram
para
essa marcha lúgubre e cansada....
Para
essa marcha sem poesia,
No
desconsolo e no silêncio da arribada....
Como num vulcão em erupção,
em abril de 1946 lança “Versos de Outro
Tempo”. Macedo costumava oferecer exemplares a amigos especiais porque
entendia ser o livro ‘ um pouco avançado’ e não para todos. Não buscava fazer
deles comércio. Destaco aqui o que ele pensava do poeta:
A
um poeta
Ai!
Porque elevas, no tumulto, o canto
e
revelas, na praça, a tua dor?
O
mundo, sabes? Ri do nosso pranto!
Esconde
a angústia do traído amor.
Lágrimas,
verte-as, pois, na solidão,
Porque
a amizade, aqui, engana e ilude,
e
é um nome proibido esse de irmão.
E
uma louca ridícula – a virtude.
A
teu martírio, cúpido e ferrenho,
esse
povo, a quem falas, correrá;
Todos
ver-te-ão curvar sob o teu lenho
-
Ninguém de ti se compadecerá....
Oh!
Mente, mente! O teu rosto jucundo
mascare
íntima dor sempre a sorrir;
A
verdade não é para este mundo,
ai
daquele que não souber mentir”.
(p.
19 )
Interessante é a
ponderação que Mario Quintana faz sobre o poeta. Ele diz: A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta sabe que é
louco...Porque a poesia é uma loucura lúcida”.
Edgard Allan Poe nos diz:
“aqueles que sonham acordados tem
consciência de mil coisas que escapam aos que apenas sonham adormecidos”. O
poeta não é isso?
O livro foi publicado
pela Empresa Gráfica da “ Revista dos Tribunais”. São Paulo, em abril de 1946.
O homem urbano com os pés
fincados na terra que lavra, que cultiva, que faz produzir e que na botica
reverencia aos químicos do passado na busca da cura das dores de quem o
procura, e aquele que atrás de uma mesa e de caneta à mão, fez nascer em 1961 o
“Cântico do Pioneiro”, com versos
ilustrados por Aldemir Martins, transformando palavras em imagens maravilhosas
e realísticas do pioneiro de nossas terras – o homem do campo.
Seus livros “Arribada e
Versos de Outro Tempo”, provocaram intensa reação de literatos, jornalistas e
admiradores em todo o país. De João Guimarães Rosa, recebeu carta com o seguinte trecho:” De volta de uma viagem ao interior de
Minas – à paisagem grande e campineira – pude ler os belos poemas do seu
‘Arribada’, também um viajar, pela poesia, pelas estradas do sertão, com o
vagaroso gado, na ruana de marcha braceira, assistindo à hora azul das
queimadas, ouvindo o canto do carro de bois ou a buzina do peão...Como poderia
deixar de gostar dele? Nessas páginas, eu poderia “cortar o chão o dia inteiro”.
Sua poesia é real e eficaz”. Ariovaldo Corrêa – in “Homens e coisas de
Mirassol”, escreveu: Há em seus versos
uma arte, uma suavidade singular em reproduzir aspectos da natureza, cenas
fidelíssimas da vida campeira, ora oferecendo-nos o retrato do camponês,
cantarolante, arando a terra e antessonhando o milagre das colheitas, ora
trazendo-nos de leve, aos ouvidos, o gostoso rumor da água da grota”. Foram muitos os que se manifestaram
sobre o livro, entre eles Sebastião Almeida Oliveira, Orlando Romero, Judas
Isgorogota (A Gazeta), Eloy Pontes (O Globo), Nelson Werneck Sodré (Correio
Paulistano) e outros.
Voava cada vez mais alto
o ‘canário da terra’, o bandeirante Macedo e, demonstrando sua intensa devoção
à Santa Rita de Cássia, padroeira de sua terra natal, escreve, em dois opúsculos, exaltação à Mãe de Jesus –
Tríptico de Santa Rita de Cássia – 1960- demonstrando o lado humano e religioso de seu
coração e mente de poeta. Encanta ao mundo religioso por sua forma e estilo,
sem exageros e indo profundamente em seu lado e formação cristã. Baden Powel
disse: “Fazer a felicidade dos outros é a
melhor maneira de ser feliz”
Não mais conseguindo se
livrar de Cupido, Macedo se enamora de Rackel Gauch que por décadas buscou
vencer o eterno galanteador e casa-se na Igreja de Aparecida do Norte. Ela era
professora de francês e seu aluno Macedo se tornou num expert em leitura e fala na língua francesa. Macedo, nosso Joao
D’Oeste, era poliglota dominando o italiano, o espanhol, o árabe, o francês, o
grego e o latim. Era jornalista e se correspondia com renomados autores
brasileiros e jornais de todo o país. Era um homem atualizado e integrado a seu
tempo participando do mundo em que vivia. Falecida a esposa Rackel, casou-se em
sua prima, dona Maria Macedo Nubile em 12 de outubro de 1967. Dos casamentos
não houve filhos, mas Macedo adotou filho, que morreu de forma precoce,
auxiliando outras crianças e ajudando-as na linha da vida.
Sobre ele, o Joao
D’Oeste, escrevi:
MESTRE
MACEDO.
Braços
para trás, caminha
absorto
em pensamentos mil,
olhar
distante como a avezinha
no
céu infinito cor azul anil.
Levanta
cedo, saúda a manhã,
visita
a cidade, seu povo e ruas,
sempre
pensando e com mente sã
lá
está o Mestre em andanças suas.
Filosofa,
faz da vida poesia,
canta
o amor, domina idiomas,
médico
dos pobres, o povo diz,
dá ao viver refinado aroma.
Intelecto
profundamente enriquecido,
personalidade
forte, nobre e marcante,
em
nosso meio é o bom Macedo querido,
filantropo,
humano, de valor relevante.
(Letras em Gotas – p. 41)
Em todo meu aniversário
recebia cartão com pequeno verso grafado e com sua conhecida assinatura.
Guardo-os com muito carinho.
Macedo viveu e construiu
à sua volta um verdadeiro universo de conquistas para a comunidade tanabiense e
regional. Não só plantou árvores, escreveu versos, livros, artigos. Ele fundou
o Aeroclube, conseguindo a doação de dois aviões para o clube que ministrava
aulas de aviação formando pilotos, o
Tênis clube; foi delegado Regional de Cultura da Sociedade de Etnografia e
Folclore de São Paulo; um dos criadores do Tiro de Guerra, da Associação Rural,
do Clube dos Tangarás, do Tanabi Cestobol Clube, membro-fundador do Lions Clube
de Tanabi, mantenedor de várias instituições caritativas, trabalhou na criação
do Brasão de Armas de Tanabi em consonância com Antônio do Nascimento Portela,
artista plástico de São José do Rio Preto; autor da letra do Hino do Município de Tanabi,
um dos criadores e mantenedor da antiga Escola Técnica de Comércio Visconde de
Mauá, hoje Fundação Educacional que leva o seu nome. Não retinha seu
conhecimento só para si. Era palestrante e conferencista e representou a região
na Festa da Uva do Rio Grande do Sul (1954) onde, entre outros, saudou o
Presidente da República, Getúlio Vargas, que visitava aquele empreendimento.
Causou espanto sua eloquência e oratória, fazendo seu discurso em quatro idiomas
simultaneamente e dando uma ‘aula’ sobre vinicultura. Chegou a ser sondado para
ser Ministro da Cultura. Sócrates afirmou: “As
almas de todos os homens são imortais, mas a alma dos homens justos são imortais
e divinas”.
João D’Oeste não ficou só
nisso. Foi prefeito nomeado de Tanabi de 28 de dezembro de 1943 a 01 de março
de 1945. Capitaneou o processo de elevação do Município de Tanabi a comarca,
instalada em 13 de junho de 1945. Sabendo que um homem deve plantar uma árvore,
escrever um livro e ter um filho, como não conseguiu esta última ‘exigência
natural’, fundou a cidade de Macedônia no dia 07 de maio de 1945 em terras de sua
propriedade que loteou e doou a pessoas e instituições. Ajudou a abrir as
picadas, atuou na derrubada da mata e colheu os primeiros balaios de café em
sua antiga propriedade, a Fazenda Santa Maria das Anhumas. Recebeu em vida
várias homenagens como a Medalha Santos Dumont do Ministério da Aeronáutica,
títulos de cidadão em Cunha e Cássia, nomes de escolas (Diadema-SP) e com seu
violão cantava músicas da velha guarda em saraus culturais que fazia organizar.
Professor de português e Latim, traduziu a obra “Divina Comédia” para o grego,
escreveu e adaptou várias peças de teatro além de traduzir do inglês para
português a obra ‘Oficial da Guarda”, do repertório da CIA, escrevendo inúmeros
monólogos, como por exemplo “as Carmelitas”. Fez jus ao que disse Jack London : ‘ A verdadeira função do homem é viver, não
apenas existir’.
Como soe acontecer com
todos, a chama de sua vida se extinguiu no dia 18 de outubro de 1981 aos
setenta e seis anos. Olavo Bilac disse: “envelhecemos
rindo! Envelhecemos como as árvores envelhecem.” Com ele não foi diferente
e deixou frutos a mancheias. Steve Jobs
disse: “ cada sonho que você deixar para
trás, é um pedaço de seu futuro que deixa de existir”. Ele viveu todos os
seus sonhos e transformou em realidade muitos e nossos sonhos. Seu nome foi
perpetuado, também, na praça central da cidade “ Praça Joao de Mello Macedo”,
declarada recentemente por trabalho encetado pelo jornal Diário da Região como
uma das sete maravilhas da região. Seu corpo está sepultado no Cemitério
Central da cidade.
Cora Coralina afirmou
que: ”poeta, não é somente o que escreve.
É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima, à
autenticidade de um verso”. Ele foi assim.
Era João de Melo Macedo
um homem que vivia e observava tudo à sua volta. Numa de nossas memoráveis
reuniões quando da elaboração da letra do Hino de Tanabi, ele, parado e de
olhos fixos nas lâmpadas fluorescentes da sala, foi por mim chamado à realidade,
e ele, com sua voz anasalada e firme, sem tirar os olhos das lâmpadas, me
perguntou: ....Caprio, pingo é letra? Eu prontamente respondi que sim. E ele,
depois de uma bela gargalhada, e observando os pontinhos (coco) deixados lá
pelas moscas, completou... então a mosca
é escritora.....
Este era “ João de Melo
Macedo, nosso João D’Oeste.
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